domingo, 7 de setembro de 2008

Desconto

REPÊNCIA


Estava eu caminhando por aí, em um dia. Mas era um daqueles dias aonde o céu parece o final de um filme. Aonde você olha ao redor, e não vê o redor. Só vê a mesma coisa. Ironicamente, eu estava bem disposto e animado. E assim, fui entrando, sem pedir permissão, na padaria. Não me lembrava se devia pedir permissão, mas entrei.

Quando adentrei no estabelecimento, me direcionei até a atendente. Sorri, e disse:

- Bom dia!

E a atendente me fulminou com um direto de substantivo:

- Parece que eu não sou nada mais do que um resto, um desacato ao seus padrões de perfeição. Continue assim, então. Quem sabe, você não consegue a minha atenção? Mas, tenha essa certeza em mente: você é ninguém!

Aquilo me deixou deveras estupefato. Que atendente mais nervosa! E eu só queria comprar uns pãezinhos...

Intimidado pelo discurso carregado da moça, me pus a caminhar pro fundo do estabelecimento, como se desejasse olhar alguma coisa. Encontrei uma senhora, ali. Provavelmente ela deve ter ouvido a conversa. Com um ar de descontração, iniciei:

- Você ouviu o que aquela moça disse?

A senhora, sorrindo, disse então, com um ar de troça:

- Parece que eu não sou nada mais do que um resto, um desacato ao seus padrões de perfeição. Continue assim, então. Quem sabe, você não consegue a minha atenção? Mas, tenha essa certeza em mente: você é ninguém!

Havia algo de estranho ali. Era uma piada? E, mais importante... tinha alguém rindo?

Logo apareceu a dona do estabelecimento. Antes que eu pudesse abrir minha boca (mas, a tempo de colocar meu dedo indicador no ar, o que era um indício de que eu estava a conversar sério), ela disse, com um tom bastante pacificador:

- Parece que eu não sou nada mais do que um resto, um desacato ao seus padrões de perfeição. Continue assim, então. Quem sabe, você não consegue a minha atenção? Mas, tenha essa certeza em mente: você é ninguém!

E eu saí. Com a maior pressa do mundo.

De fora, o céu ainda parecia de final de filme. Mas, meu projetor só tinha uma legenda impressa, em minha mente: as três mulheres falaram exatamente... nada!

Logo me vi acuado. Todas as mulheres me olhavam, me censurando. Eu sentia, que se falasse um "A", elas diriam, em coro, aquele texto decorado, que parece ter sido impresso em um canto bem estranho da cidade.

Eu não resisti:

- Hmm... A?

E o que ouvi era como uma orquestra:

- Parece que eu...

- Meu bom Deus!

Sai correndo. Eu estava ficando louco! Era a única explicação aceitável, nesse momento de falta de produtos no meu nível de aceitação. E eu estava pagando caro por esse, e não recebia benefício algum...

Corri por um bom tempo, até sentir que estava só. Mas isso foi, de certa forma, engraçado. Eu sempre me sentia só. Porque agora me sentia perseguido? Que inferno, me deixe voltar pra minha solidão!

Quando olhei, estava de frente pra casa da minha mãe. Faziam anos desde que visitei ela pela última vez. Me senti compelido a entrar e conversar com ela. Precisava ouvir um conselho. Daqueles que só uma mãe sabe.

Eu entrei, e lá estava ela. Sentada no sofá da sala, lendo um livro. Quando me viu entrando, ela sorriu. E eu também.

- Mãe, eu acho que estou ficando louco! - logo disse, de supetão.

Ela me fitou com curiosidade. Fez um sinal pra que eu sentasse perto dela. Seus olhos, que me viam com eternos 4 anos de idade, e sempre buscavam ver se eu havia comido e não estava doente, me faziam uma varredura. Então, ela disse:

- Porque você diz isso, meu filho?

E eu me senti aliviado. Uma mulher que não reproduziu aquela fala profana!

- Eu... hoje, por várias vezes, tudo que eu consegui foi ouvir todas as mulheres a minha volta dizerem a mesma coisa! Sempre, sempre a mesma fala vazia, sem conteúdo, irritante como o tilintar de um vidro quebrado, que arranha um quadro sem a mínima piedade!

Minha mãe, sábia, colocou minha cabeça em seu colo, e acariciou meus cabelos. Eu me sentia acolhido. Não existe lugar melhor pra resolver seus problemas, do que a sua antiga casa.

- Sabe, meu filho, eu sei exatamente porque você está passando por isso.

- E porque, mãe? - respondi de imediato, ansioso por uma luz materna.

Ela respirou profundamente. Parecia que ia revelar algo muito trágico. E então, falou, com sua voz acolhedora:

- Parece que eu não sou nada mais do que um resto, um desacato ao seus padrões de perfeição. Continue assim, então. Quem sabe, você não consegue a minha atenção? Mas, tenha essa certeza em mente: você é ninguém!

E então, eu entendi.

Eu entendi que, o que eu não entendia... era simplesmente que não me entendia.

E eu chorei.

Nenhum comentário: