sábado, 30 de maio de 2009

Um conto de agonia




SOMBRAS



Três da manhã no relógio. A hora maldita.

Levanto, e corro para a janela. Faço questão de perceber se ela está bem travada. Se a cortina tampa totalmente o vidro. Se não existe uma fresta que seja.

Então, um arrepio percorre minha espinha. "A porta!"

Olho para ela. Mas o carpete é meu protetor. Ele está lá, enfiado pela fresta que se forma na parte de baixo dela. Nada entra.

Tola esperança. Eu sei disso. Me apego ao material, mundano, como forma de proteção.

Três e dez. Já? Quantos devaneios me consumiram nestes minutos...

É assim toda noite. As miríades sombreadas que se espalham pelo quarto, lentamente, invadem minha cabeça. O breu não é mais apenas um vazio. Ele se enche de formas.

Eu escondo debaixo do cobertor. Minha mãe está tão longe!

A dança soturna então se inicia. Agora, é um pássaro, da cor do ébano, que dispara a voar. Ele sai debaixo de minha cama. Posso sentir a coberta se mover quando ele sai de lá. Meus sentidos aguçados enviam sinais de perigo até a mim. Estou sendo invadido! Mãe, por favor, abra a porta...

E então, o atrevimento. Olho pela coberta. Eu sei, eu sei que estão ali de fora. Mas, em um vão pensamento de segurança, me ponho a observar o exterior.

E os contornos sombreados em volta de minha cama abrem os braços. Me dão boas vindas. Estou no mundo das trevas agora.

Estou no mundo do medo.


Um súbito barulho. No telhado! Deus, por favor, tire essas coisas daqui...

E corro para dentro do manto protetor que me envolve. Tremo de horrores, com as criações de uma mente infantil.

Não tenho mais a asa protetora de minha doce criadora.

Estou aqui, sozinho, lutando contra meus pensamentos.

"É só imaginação".

Eu digo para mim mesmo, incessantemente. É só imaginação. Nada disso está acontecendo. É medo. Minha mãe já dizia. Eu não estou vendo alguém conversar comigo, falando do marido grosseiro que lhe espancava. Aliás, eu nem sei o que é isso.

Eu não vejo todas as noites o balé trevoso que gira em torno da minha cama.

Eu não sinto o toque frio e pegajoso de criaturas desformes e de orientação que não conheço.

Não existe a fantasia. Não existe o mágico, o bizarro.

Existe apenas uma criança medrosa, escondida debaixo do cobertor.

E ela reza pra que a noite passe logo...

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